MPF pede suspensão da captação de água do Rio Doce para abastecimento de Colatina
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Justiça Federal em Belo Horizonte (MG) a concessão de tutela de urgência para garantir a adoção de medidas que resguardem a saúde dos moradores de Colatina. O município está localizado na Bacia do Rio Doce, que teve as águas contaminadas pelos rejeitos da barragem mineira de Fundão, em Mariana, em 2015. A manifestação enviada à Justiça no último dia 5 de julho reforçava os pedidos feitos nas alegações finais do processo. Entre eles, a suspensão da captação de água do Rio Doce para distribuição no município, pois ela teria se tornado imprópria para o consumo após o rompimento da barragem e a chegada dos rejeitos ao território capixaba.
Ifes e Fiocruz detectaram contaminação com metais pesados na água
Laudos anexados à ação registraram a presença de metais pesados na água como mercúrio, arsênio, manganês, chumbo, cádmio, cobre, vanádio e alumínio, em quantidades superiores aos padrões de segurança estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e pela Portaria 2.914/2011, do Ministério da Saúde.
A petição do Ministério Público destaca trechos da perícia realizada pela Fundação Oswaldo Cruz, (Fiocruz) em parceria com o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), que demonstram a contaminação da água que abastece a cidade de Colatina. A poluição foi comprovada a partir de elementos associados diretamente ao derramamento de rejeitos, como o aumento expressivo da turbidez da água, a alta concentração de cianeto livre e o volume de chumbo total.
Com base nas amostras colhidas até o ano de 2018, os estudos demonstraram que, embora o nível de alguns parâmetros tenha diminuído com o passar do tempo, a comparação com o período anterior à passagem da pluma apresentou diversos parâmetros aumentados, como alumínio dissolvido, cádmio total, níquel total e turbidez, que não retornaram às condições anteriores.
De acordo com os peritos, os resultados sugerem que parte desses poluentes ficou retida na calha do rio, sendo ressuspendidos em momentos determinados, como no aumento da vazão fluvial. “Da mesma forma, confirmou-se aumento dos níveis de cobre dissolvido, cor verdadeira, ferro dissolvido, manganês total, níquel total e turbidez no período de agosto/2017 a setembro/2018 com relação ao período anterior à passagem da pluma”, apontou o laudo.
A manifestação do MPF também aponta que “a conduta da Samarco não somente poluiu de maneira intensa e perene o Rio Doce, como agravou de forma altamente relevante outros impactos já existentes, perpetuando-os”.
Tanfloc SG
De acordo com o laudo pericial, a empresa forneceu ao Serviço Colatinense de Saneamento, para tratamento e limpeza da água, produtos coagulantes e floculantes, em especial, o Tanfloc SG, que acabou por implicar novo risco à saúde humana. O Tanfloc SG é um coagulante auxiliar utilizado no tratamento de águas em geral e de efluentes industriais. O uso do produto químico teria sido sugerido e fornecido pela Samarco para municípios afetados pelo desastre.
De acordo com o laudo, nas Estações de Tratamento de Água de Colatina, a dosagem utilizada do Tanfloc não cumpriu o previsto na norma ABNT NBR 15.784/2014, “em quadro de incalculável perigo”. Segundo os peritos, o produto pode causar perda de peso e neoplasias, sendo classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, do inglês International Agency for Research on Cancer) como carcinogênico, tumorigênico e teratogênico.
“Tais malefícios são causados pelos resíduos de formaldeído, usado como uns dos reagentes químicos no processo de fabricação do floculante, sendo normal que o processo de reação química não seja completo, deixando resquícios dos reagentes”, assevera o documento.
Dosagens de Talfloc acima do recomendado
Os testes apontaram que todas as dosagens testadas do Tanfloc SG foram maiores do que a dosagem máxima recomendada de 10 mg/l. Ainda segundo o laudo pericial, “a utilização do Tanfloc para o tratamento da água no Município de Colatina ocorreu completamente a esmo, sem a adoção de quaisquer providências de controle da qualidade da água após o tratamento para consumo humano, o que pode explicar a utilização de dosagens tão elevadas do produto na maior parte do período de aplicação”.
Medidas solicitadas pelo MPF em cautela de urgência
- Justiça deve obrigar o Serviço Colatinense de Meio Ambiente e Saneamento Ambiental (Sanear) a interromper a distribuição de água fora dos padrões de potabilidade definidos pelo Conama e pelo Ministério da Saúde.
- Conclusão e implantação dos projetos de captação alternativa ao Rio Doce, suficientes para o abastecimento do município com água não contaminada.
- Adequação de todas as estações de tratamento a fim de assegurar condições operacionais efetivas e seguras para o cuidado com a água.
- Pede-se também que a União e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) cumpram com a obrigação de fiscalizar devidamente a qualidade da água e os serviços prestados pelo Sanear em Colatina.
- Pede que a Prefeitura de Colatina, com aporte financeiro da empresa Samarco, adote medidas de acompanhamento da saúde da população, visando a detecção precoce e a prevenção de doenças relacionadas à exposição e ao consumo da água contaminada.
O que dizem as organizações citadas?
Em nota, a Samarco disse apenas que “presta os devidos esclarecimentos nos autos do processo”. A reportagem também procurou o Serviço Colatinense de Meio Ambiente e Saneamento Ambiental (Sanear) e a Prefeitura de Colatina para obter um posicionamento acerca das alegações do MPF. Porém, até a publicação desta matéria não houve retorno. Assim que houver resposta, o texto será atualizado. *fonte: Folha Vitória